ANÔNIMO E COLETIVO

Posted: domingo, 1 de junho de 2014 by ajeugenio in Marcadores: , ,
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Noite fria e deprimente quinta-feira. O clima traduzia bem o meu estado de espírito naquele momento. Faltava motivação para sair da cama, trabalhar, comer e até mesmo rir. Para transar? Porra, estava passando por uma puta crise no casamento. A minha mulher não perdia a primeira chance de jogar na minha cara que eu estava casado com o meu emprego e que ela era apenas a minha amante. E estava ficando de saco cheio daquilo tudo. Olha, se não fosse o meu filho, eu teria ligado o foda-se para tudo e saído para comprar um cigarro, que nem naquela velha lenda do cara que o fazia e passava anos desaparecido. Detalhe: não sou fumante.

Naquela noite fria e deprimente de quinta-feira, eu decidi frequentar uma reunião do Alcoólicos Anônimos. OK, cometi uns abusos aqui e ali, mas nada que me prejudicasse profissionalmente ou que me colocasse numa roubada naquelas. Mas não era por eu estar com medo de flertar com o alcoolismo. Pretendia fazer um documentário sobre impactos sociais da doença, essas porras, e como pensa um alcoólatra. Tá, admito: tenho alguns parentes que passaram por alguns perrengues por causa do alcoolismo, mas não queria começar o processo pela minha família, pois isso ia envolver a parte sentimental e queria ser o menos emocional que eu pudesse na produção do documentário.

Como de praxe, cheguei atrasado à reunião - acho que até mesmo no meu velório eu me atrasaria, mas essa é outra história. No trajeto, eu imaginava que a reunião seria naquele esquema de cadeiras dispostas em formato circular, com todos falando sobre suas experiências, mais ou menos na cena do "Clube da Luta" em que um começa a chorar abraçado ao outro e o personagem de Edward Norton encontra Marla Singer

A primeira história que ouvi teve o efeito de uma porrada na boca do estômago. Um cara confessou contar quanto tempo de vida ele ainda teria, pois ele havia desistido de viver. E a frase final, algo como "Cara, estou com 53 anos e o que mais quero é viver" ficou martelando na minha cabeça por um bom tempo. E as outras histórias eram bem diferentes em princípio, como a de um cara que passava noites bebendo e cheirando, até o dia em que foi perseguido de carro por policiais que o confundiram com um assaltante; a de um empresário que perdeu tudo, percebeu-se um dia tomando álcool Zulu com suco e pensou em virar andarilho só para sumir do mapa; e a do típico trabalhador que, após se aposentar, passou a beber além da conta. No entanto, todas tinham algo em comum: eles perderam o rumo da vida

Tudo o que foi dito me deixou atordoado. Estava até com dúvidas se seguia adiante com o meu projeto insano sobre alcoolismo. Aquelas expressões que poderiam ser interpretadas como "quero me libertar e poder viver o resto dos meus dias em paz" traziam um misto de esperança no ser humano e desespero. Os olhares baixos, carregados de culpa e tristeza, estavam me devastando. O anúncio do intervalo foi um alívio: saí correndo dali. Queria respirar. Queria chorar. Queria sumir. Mas, apesar de tudo, queria viver.

A crise no casamento veio à tona com tudo novamente na minha cabeça. Os problemas do trabalho também. Aquele clima triste e cinzento daquela quinta-feira me deixaram deprimido ao extremo. Parei num pub e pedi uma cerveja. Precisava parar de pensar por alguns instantes sobre o que fazer da vida. Precisava esquecer de mim.

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