FALTA DE CORES

Posted: segunda-feira, 2 de junho de 2014 by ajeugenio in Marcadores: , , ,
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Sua vida era movida a desilusões. Muitas, mesmo. A começar pela desilusão consigo próprio. Ele não era sequer sombra de quem ele gostaria de ser e de quem ele esperava ser muitos anos atrás. Em resumo, o garoto idealista que ele fora na adolescência e no começo da juventude havia sido transformado em um adulto medíocre e burocrático. Exatamente o que ele abominou a vida inteira.

Desilusões amorosas? Ele as tinha em quantidade expressiva, até. Dá para colocar na conta uma ex-namorada por quem ele era louco, mas que o abandonou porque ele era um adolescente "certinho demais"; a melhor amiga que, sabe-se porque caralhos foi ficar a fim dela, mas o seu estilo inseguro e blasé o fez se afastar dela; uma date bem mais velha do que ele e que queria mandar em sua vida, o que o fez se afastar dela; e outros pequenos casos que o foram corroendo aos poucos. Isso sem contar a sua última namorada, cujo relacionamento era perfeito, mas havia um porém: ele achava-se muito aquém do que ele julgava ser a pessoa ideal para ela. Nem precisa dizer que ele inventou um pretexto qualquer para se afastar dela, pois em sua mente confusa, essa seria a chance de ela ter uma vida foda e ser a estrela no céu de outra pessoa.

Pouco a pouco, essas experiências, aliadas a outras desilusões, seja em relação aos amigos, trabalho ou até mesmo ao deparar com a crueldade humana, o tornaram um cara frio e indiferente. Ele se tornara alguém incapaz de retribuir qualquer tipo de afeto. Se alguém o elogiasse, mesmo que fossem o melhor amigo ou a mãe, ele perguntava o que eles queriam, como se todos só se aproximassem dele por interesse. Ele era incapaz de amar e de mostrar qualquer tipo de empatia com qualquer pessoa. Sua vida e relação com qualquer pessoa haviam sido transformadas num grande Muro de Berlim.

Se algum encontro terminava bem, ele apenas dizia que ligaria no dia seguinte - o que nunca acontecia. Se visse algum mendigo na rua ou algo que julgasse injusto, limitava-se a dizer que o mundo era uma merda. Se visse algo que causasse comoção pública ou revolta, tudo o que fazia era pensar que o ser humano era um lixo. Ele não sentia prazer em nada. Ele perdera o prazer em dar aulas, justamente o que ele sempre quisera fazer. Ver os amigos que ainda restavam havia se tornado algo burocrático e era muito raro vê-lo esboçar um sorriso, por mais blasé que fosse. Ele perdera o prazer em tudo, até mesmo em tocar guitarra, que era o seu hobby desde que se entendia por gente, e fazer sexo. Em resumo: viver lhe dava sono.

Tudo estava tão estranho e vazio que nem beber ou tomar antidepressivos o ajudava mais. Havia momentos em que ele queria chorar, mas as lágrimas insistiam em não aparecer. Ele queria desabafar com qualquer pessoa, mas o seu orgulho o bloqueava. Ele queria escrever, mas as palavras travavam. Ele cogitava até mesmo desistir da vida. 

Certo dia, enquanto dirigia de casa para a escola em que dava aulas, tudo parecia insosso e sem vida como nos últimos tempos. Do nada, um carro em alta velocidade avançou o semáforo e acertou em cheio o seu. Ele sentia dores no corpo inteiro. O gosto amargo de sangue começou a tomar conta de sua boca. Aquilo o fez voltar a sentir, mesmo que fosse desespero. Ele percebera que não queria morrer. Percebeu que queria dizer o "Eu te amo" entalado na garganta. Percebeu que queria rir com os amigos. Percebeu que queria voltar a ver cores. Em meio a esse turbilhão de pensamentos, ele começou a chorar. A chorar de pânico e desespero. Ele nem se deu conta que, enquanto era resgatado, um paramédico lhe deu injeção de morfina, para aliviar a dor. Ele foi sentindo a visão ficar turva e escurecer aos poucos. Ele perdeu os sentidos.

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