SETE ANOS

Posted: quarta-feira, 11 de junho de 2014 by ajeugenio in Marcadores: ,
0

Sete anos. Pois é, Vó. Não dá para dizer que parece ter sido ontem, pois já faz tempo. Mas tudo ainda está nítido na memória e dói fundo na alma como se tivesse acontecido horas atrás.

Estava preocupado demais com o seu estado de saúde, que havia piorado dias antes, mas estava me recusando a pensar no pior e só pensava em buscá-la no ponto de ônibus, como havia sido anos e anos antes. Não via a hora de voltar a ouvir os causos do interior que a senhora contava, cuja narrativa era única e envolvente. Não via a hora de voltar a me permitir voltar a ser um guri - OK, sempre tentei ser um pirralho metido a adulto, mas sem entender o porquê, com a senhora eu conseguia tentar não parecer adulto. Coisa que nem com os meus pais - olha, nem com o pai e com a mãe - eu conseguia.

Lembro-me bem daquele dia, para o bem e para o mal. Mal havia acabado de fazer uma prova na faculdade e saí voando para o estágio e, ao ligar o celular no caminho - sempre fui bem desligado, devo admitir -, vi umas cinquenta mil ligações perdidas de casa. Era a mãe tentando avisar que o pessoal do RH do estágio queria falar sobre um processo de efetivação do qual eu estava participando. Agora consigo entender nitidamente por que ela estava uma pilha de nervos: porra, a mãe dela estava entre a vida e a morte. Parêntese feito. Pouco tempo depois, já no meu canto do castigo no estágio, soube que o dia seguinte seria o meu primeiro dia como profissional registrado na CLT e o caralho a quatro. Eu deveria, mas não conseguia comemorar. Só conseguia pensar na senhora. Por sorte, o dia pareceu ter passado voando e, com ele, saí voando pra ir ao curso técnico, no qual só aparecia nas aulas por causa do TCC.

Durante a aula, o celular - sempre esse aparelho - tocou de novo. Outra ligação de casa. Tudo o que queria imaginar era numa bronca da minha mãe, que, além de estar emocionalmente em frangalhos por causa da senhora, ainda estava ansiosa graças ao descabeçado do seu filho. Não, na verdade era o seo Amaurizão, com a voz abalada, mas ainda tentando manter a compostura. "Filho, vem para a casa. A sua avó...". Não foi preciso terminar a frase e, com isso, tive de me preparar para o pior, por mais que eu me recusasse. Turbilhões de pensamentos na cabeça, que já estava muito mais perturbada do que é diariamente. Um choro tímido, mas impossível de conter dentro do terminal de ônibus, onde não havia ninguém por sorte. Odeio chorar em público. Aliás, odeio chorar. Mas estava impossível não ir às lágrimas naquele momento, mesmo tendo falhado ao brecar as duas lágrimas furtivas que ainda escaparam.

Em casa, o fim da crônica anunciada. "Jú, a vó morreu". Essas quatro palavras, puta que o pariu, atravessaram a minha cabeça como um canhão atravessa um navio. Não conseguia chorar. Não conseguia pensar. Não conseguia existir. Só conseguia sentir desespero. Nada mais.

Não vou entrar em detalhes sobre o dia seguinte por motivos de: a) nunca lidei bem com a morte, mesmo entendendo um pouco sobre espiritismo e afins; b) a lembrança até hoje dói. Tudo o que me permito pensar é na multidão que foi lhe dar o último adeus - a senhora era querida demais, velhinha - e na minha mãe. Não pude me permitir estar vulnerável, pois tinha de compartilhar o peso de segurar as pontas com o meu pai. Era um peso absurdo demais para ele, ainda mais ao ver a esposa (claro!) emocionalmente destruída e outros dois filhos, um adolescente e outra criança de tudo, além da tristeza.

Sete dias depois. Deitado, após a missa de sétimo dia, quando ainda era católico - hoje eu sou o que se chama de à toa, reconheço -, chorei. Chorei escondido, mas sem ser contido. Chorei de desespero. Pude me permitir a chorar.

Sete anos. Não deveria pensar em ti com luto, mas sim pensar nos milhões de momentos felizes que tivemos juntos. Não sou mais o mesmo garoto idealista de sete anos atrás, mas alguém lutando para não ser um cara medíocre. Sete anos e não posso ouvir "Wish You Were Here", do Pink Floyd, que me lembro de ti. Sete anos e muita coisa mudou. Só uma coisa não mudou de lá para cá: a senhora faz muita falta. Onde quer que esteja, espero que esteja bem e com a certeza de que a senhora fez, sim, a diferença por aqui.

0 comentários: