ENSAIO SOBRE A INFÂMIA (PARTE III)

Posted: sexta-feira, 5 de agosto de 2011 by Mau Júnior in Marcadores: , , , ,
0



Ao melhor estilo “Efeito borboleta”, a mulher de minha vida – eu já me habilitava a me referir a ela dessa maneira – não quis saber das minhas justificativas notoriamente esfarrapadas e, aproveitando uma chance profissional que surgira à época para dar aulas no interior, foi embora sem titubear. Para esquecer-se de mim, igualmente à personagem de Katie Winslet em “Brilho eterno sem lembranças”, definitivamente.

O meu mundo havia caído. Motivação para viver, onde estava mesmo? Me sentia igual ao personagem de Ethan Hawke em “Grandes esperanças”, quando a persona protagonizada pela Gwyneth Paltrow o havia abandonado para ficar com um ricaço. No meu caso, eu mesmo havia fodido a minha vida e afastado a Lia de mim. O meu gênio autodestrutivo começava a falar mais alto e, sinceramente, pensei em dar um mergulho no Rio Tietê ou em chafurdar de vez na lama etílica. Mas, para mim, aquele que eu achava ser o meu maior castigo salvaria posteriormente a minha vida: viver não e esquecer-me dela.

Logo, Inês estava morta, e o que me restava era assumir o meu “erro”, ou seja, assumir a paternidade que me cabia no latifúndio da vida. Bernardo, o meu filho, era a minha cara e semelhança, coitado, mas havia passado a ser o meu porto seguro, por assim dizer. Estranho um loser boêmio dizer isso, mas a vida prega algumas peças, às vezes. Com o tempo, deixei de viver de freelas como analista de mídias sociais – ao contrário de outrora, já estava um pouco mais responsável – e, numa cagada do acaso, comecei a trabalhar como freelance em uma produtora cinematográfica. Como havia me acostumado ao ritmo de vida workahólico, acabei sendo promovido. Minha vida profissional começava a se encaixar, mas algo faltava.

Nem precisa ser Einsten para deduzir o que era esse “algo”. Era Lia, é claro. Por mais que tentasse esquecê-la – e olha que tentei muito, e com muitas outras pessoas -, ninguém ocupou o vazio deixado por ela. Consequentemente, eu estava num vazio existencial ferrado, numa bad fodida. Era foda admitir, mas eu havia deixado a mulher quem eu amava ir embora por ter me deixado trair pelos mais primitivos dos instintos humanos... Além de ter pensado da maneira errada, se você me entende.

Antes que eu comece a ficar ainda mais pedante e repetitivo do que sou por natureza, voltemos aonde eu havia parado. Onde, mesmo? Ah, tá. O meu lado workaholic havia rendido noites em claro, ao escrever o roteiro para um longa-metragem. Sim, o meu primeiro filme, com verba liberada depois de muito chorar para patrocinadores e o cazzo a quatro. O roteiro era simples, apesar de ter carga subjetivamente intensa: um cara até então sem motivo forte para viver encontra de maneira fortuita aquela por quem ele se apaixonaria perdidamente, mas uma aventura que ele vivera antes de conhecê-la fode todo o relacionamento. Agora te contesto loucamente, Oscar Wilde: a vida imita a arte. Durma com esse barulho.

Confesso que estava com o cu na mão – desculpe-me por mais esse termo baixo, mas não encontrei nenhum outro que descrevesse com precisão o meu estado de espírito -, no entanto, o meu “cagaço” não seria nada perto do que eu viria a sentir. Nada na vida, assim como na sétima arte, faz sentido, e esse roteiro desconexo que consiste no viver iria me pregar mais uma peça. Que quase me levou a um infarto, diga-se. Sim, Lia apareceu, sem mais, nem menos. Mas por que na noite de estreia do meu filme, porra?

Fiquei atônito, sem saber como agir ou se deveria me dirigir a ela, assim como na primeira vez em que a vi, naquele boteco foleiro, mas a minha cara-de-pau cinematográfica falou mais alto. Não mais do que a minha respiração ofegante, mas falava alto, sim.

Tá, o orgulho estava ferido e ainda me meti a salgá-lo, mas eu precisava fazer o que tinha de ser feito. Foram minutos assustadores, aqueles, mas voltei a me sentir como aquele jovem inconsequente de antes, apesar de não mais o ser. Inconsequente, no caso. Cara, você não faz ideia de como foi difícil furar novamente o Muro de Berlim, mas deu aparentemente certo. Sabe aquela história de que atos valem mais do que milhares de palavras? Nesse caso, os atos eram as cenas, mesmo.

Ao contrário dos filmes hollywoodianos, que na maioria são uma merda, não há mocinhos e vilões declarados na vida. E eu havia sentido isso na pele, ao alternar momentos de heroísmo ridiculamente inacreditável e de vilania, dignos de deixar Alex de Large se borrando de medo. No máximo, posso dizer que fui o anti-herói da minha vida.

Estava em transe – não plenamente feliz, pois a felicidade suprema, idealizada e transmitida por meio do senso comum, não existe. Ao menos, eu tinha a minha musa inspiradora de volta.

Moral da história? Não, não há. Fim? Menos ainda. O fim de um roteiro – ou fase, como preferir – chega conforme começa outra fase, ou é apenas uma instituição estabelecida por meio do senso comum para vivermos em função de um novo começo, do amanhã. O grande lance é viver, e rodar cada roteiro como se houvesse mais uma sequência. É isso.

0 comentários: