0
Dezenove
horas, horário de Brasília. Fodam-se “A Voz do Brasil” e a merda da rotina.
Foda-se a gravata que metafórica e literalmente o sufocava. Foda-se o All Star
furado que, juntamente com o jeans confortável, mas desbotado, destoava do
conjunto formado pela mesma gravata, camisa e blazer. Fodam-se aqueles rostos
apáticos no bar, como os de personagens de “Admirável Mundo Novo” embalados
pelo soma entorpecente de cada dia. Foda-se o VT do jogo da Premier League – “futebol
para coxinha e inglês ver”, pensava. Fodam-se aquelas risadas falsas ou
embaladas por cerveja, que na verdade era um pouco de cevada com milho
fermentado. Foda-se esse som ambiente mela-cueca e essa merda de vida também.
Fodam-se até mesmo os seus amigos, que levavam vidas felizes ao lado das esposas
e dos filhos, que só davam dores de cabeça quando choravam no meio da
madrugada.
Falando em
casamento, ele tentava entender o que dera errado com o seu, no qual após três
anos de muitos baixos e um ou outro alto, fora por água abaixo. Entre um e
outro copo solitário de cerveja e um cigarro, ele tentava ligar os pontos e
entender em que ponto tudo começou a desandar. Ele ainda a amava, mas o seu
orgulho e sua insegurança travestida de prepotência o impediam de voltar para a
sua ex.
Mesmo
inconscientemente, ele sabia que isso havia arruinado tudo e o fizera
abandoná-la. Ele preferia rejeitar a ser rejeitado e, por temer ser abandonado
pela mulher quem ele amava, ele a deixou após a transa mais visceral, raivosa e
intensa que eles tiveram. Ele estava com vontade de chorar copiosamente, mas
desde garoto aprendera a não deixar a porra de uma lágrima rolar na frente de
ninguém. “E nunca ouse chorar após beber. Não há nada pior do que a porra de alguém
bêbado chorando”. Aquela frase, dita por seu pai quando ele era apenas um
garoto que começava a conhecer a vida, ecoava em sua mente como uma voz ente as
paredes de uma caverna.
Enquanto
sua mente estava absorta em pensamentos e confusões, ele cogitou ligar para sua
ex-mulher, mas o orgulho e o medo de ela desligar a ligação na sua cara o
fizeram desistir. Sua introspecção e até mesmo a timidez, que eram bem
disfarçadas por ele, também o impediram de discar os números que insistiam em
continuar na porra da mente dele. “Foda-se ela também”, pensou alto. Ou melhor:
falou sem perceber. E, sem perceber também, chamou a atenção da garçonete, que
lavava alguns copos do outro lado do balcão. “Que horror, moço! Por que tanta
raiva?”, indagou, ainda espantada com o que poderia ser confundido com um
acesso de Tourette. “Foi mal aí. Pensei na minha ex-mulher e fiquei um pouco
irritado”, respondeu, tentando desconversar e praticar a introspecção. “A vida
tem dessas coisas, mas bola para frente. Inês é morta, amigo”, replicou a
garçonete.
“Caralho!
Não é todo dia que uma garçonete cita Camões. E olha que nem tenho saco pra
Camões”, ele pensou. Essa foi a deixa para que reparasse com mais calma na
garçonete: apesar dos cabelos presos e da aparente austeridade, seu sorriso era
algo entre tímido e malicioso. Seu olhar, apesar de baixo, era penetrante
quando ela erguia a cabeça. Mesmo com o avental, dava para reparar que seu
corpo era bem torneado, e seus seios, apesar de não serem grandes, eram honestos
e facilmente pegáveis. Tá, ela notou que ele não tirava os olhos dela, deu
aquela risadinha clássica de quem sabe de que há segundas intenções no ar e
perguntou, como quem não quer nada – mas queria – para o quê ele estava
olhando. “Nada, não. Estava perdido em pensamentos, saca?”, disfarçou, mas sem
convencer sequer a ele mesmo.
Fingindo
que não havia sacado nada, a garçonete continuou conversando
despretensiosamente com ele e aproveitou para trazer mais uma garrafa de
cerveja e começou a puxar papo com ele. “Qual o seu nome? E o que faz da vida
além de reclamar?”, perguntou. “Bernardo, jornalista e alguém não muito
sociável”, respondeu, tentando manter a postura blasé de sempre. “E o seu nome?
Por que faz tantas perguntas?” “Lara, estudante de comunicação na parte da
manhã e garçonete à noite, muito prazer”, e foi atender aos outros clientes no
bar.
Assim foi
até o último e indesejado cliente sair dali e, após isso, eles caminharam e
conversaram mais até chegarem a outro bar. Lara saiu do sul para estudar na USP,
mas para não depender da grana dos pais, começou a trabalhar como hostess em um
restaurante na Vila Olímpia, mas se cansou dali. Foi aí quando ela passou a
trabalhar como garçonete. Conforme mais ela falava sobre sua vida, frustrações
amorosas e expectativas, como um estágio numa editora ao qual ela se candidatou,
mas sem dar detalhes, mais Bernardo ficava envolvido por ela. O golpe de
misericórdia foi ela dizer que não imaginava sua vida sem Kerouac e Bukowski.
Daí, foi questão de tempo para eles ficarem e, dos amassos na rua às
preliminares no apê de Lara, a duas quadras dali, foi um pulo. “Em questão de
horas eu deixo de reclamar da merda do meu dia e recebo o melhor boquete da
minha vida”, ele pensava enquanto suas pernas estavam bambas e puxava os
cabelos dela.
Tudo o que
ele queria era agarrá-la, chupá-la e penetrá-la com tanta intensidade, mas
tanta intensidade, que até Ron Jeremy ficaria com inveja. A vibe entre os dois
estava visceral ao ponto de ela gemer como se fosse a última transa da vida
dela e puxá-lo para dentro de si – isso sem contar as unhas cravadas nas costas
dele. Ele queria gozar e se esquecer dentro dela. Entre uma gozada e outra,
foram quase duas horas de sexo intenso. Lara teve um orgasmo, o que não
acontecia há tempos. Após dormirem abraçados, eles transaram sob o chuveiro e
não pareciam mais querer largar um do outro.
Bernardo
teve de ir embora por causa do plantão que pegaria naquele dia, mas foi difícil
deixar Lara, mesmo por algum tempo. Ele não conseguia concentrar-se no
trabalho, mas já não pensava mais na ex-mulher. Por mais que ele tivesse ficado
com outras pessoas após o divórcio, nenhuma mexeu tanto com ele como Lara. Mal
ele poderia imaginar que, uma semana depois, seria contratada uma estagiária
para o núcleo em que ele trabalhava. Menos ainda que a estagiária seria ela.