PENSAMENTOS VISCERAIS

Posted: sexta-feira, 4 de outubro de 2013 by ajeugenio in Marcadores:
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Dezenove horas, horário de Brasília. Fodam-se “A Voz do Brasil” e a merda da rotina. Foda-se a gravata que metafórica e literalmente o sufocava. Foda-se o All Star furado que, juntamente com o jeans confortável, mas desbotado, destoava do conjunto formado pela mesma gravata, camisa e blazer. Fodam-se aqueles rostos apáticos no bar, como os de personagens de “Admirável Mundo Novo” embalados pelo soma entorpecente de cada dia. Foda-se o VT do jogo da Premier League – “futebol para coxinha e inglês ver”, pensava. Fodam-se aquelas risadas falsas ou embaladas por cerveja, que na verdade era um pouco de cevada com milho fermentado. Foda-se esse som ambiente mela-cueca e essa merda de vida também. Fodam-se até mesmo os seus amigos, que levavam vidas felizes ao lado das esposas e dos filhos, que só davam dores de cabeça quando choravam no meio da madrugada.

Falando em casamento, ele tentava entender o que dera errado com o seu, no qual após três anos de muitos baixos e um ou outro alto, fora por água abaixo. Entre um e outro copo solitário de cerveja e um cigarro, ele tentava ligar os pontos e entender em que ponto tudo começou a desandar. Ele ainda a amava, mas o seu orgulho e sua insegurança travestida de prepotência o impediam de voltar para a sua ex.

Mesmo inconscientemente, ele sabia que isso havia arruinado tudo e o fizera abandoná-la. Ele preferia rejeitar a ser rejeitado e, por temer ser abandonado pela mulher quem ele amava, ele a deixou após a transa mais visceral, raivosa e intensa que eles tiveram. Ele estava com vontade de chorar copiosamente, mas desde garoto aprendera a não deixar a porra de uma lágrima rolar na frente de ninguém. “E nunca ouse chorar após beber. Não há nada pior do que a porra de alguém bêbado chorando”. Aquela frase, dita por seu pai quando ele era apenas um garoto que começava a conhecer a vida, ecoava em sua mente como uma voz ente as paredes de uma caverna.

Enquanto sua mente estava absorta em pensamentos e confusões, ele cogitou ligar para sua ex-mulher, mas o orgulho e o medo de ela desligar a ligação na sua cara o fizeram desistir. Sua introspecção e até mesmo a timidez, que eram bem disfarçadas por ele, também o impediram de discar os números que insistiam em continuar na porra da mente dele. “Foda-se ela também”, pensou alto. Ou melhor: falou sem perceber. E, sem perceber também, chamou a atenção da garçonete, que lavava alguns copos do outro lado do balcão. “Que horror, moço! Por que tanta raiva?”, indagou, ainda espantada com o que poderia ser confundido com um acesso de Tourette. “Foi mal aí. Pensei na minha ex-mulher e fiquei um pouco irritado”, respondeu, tentando desconversar e praticar a introspecção. “A vida tem dessas coisas, mas bola para frente. Inês é morta, amigo”, replicou a garçonete.

“Caralho! Não é todo dia que uma garçonete cita Camões. E olha que nem tenho saco pra Camões”, ele pensou. Essa foi a deixa para que reparasse com mais calma na garçonete: apesar dos cabelos presos e da aparente austeridade, seu sorriso era algo entre tímido e malicioso. Seu olhar, apesar de baixo, era penetrante quando ela erguia a cabeça. Mesmo com o avental, dava para reparar que seu corpo era bem torneado, e seus seios, apesar de não serem grandes, eram honestos e facilmente pegáveis. Tá, ela notou que ele não tirava os olhos dela, deu aquela risadinha clássica de quem sabe de que há segundas intenções no ar e perguntou, como quem não quer nada – mas queria – para o quê ele estava olhando. “Nada, não. Estava perdido em pensamentos, saca?”, disfarçou, mas sem convencer sequer a ele mesmo.

Fingindo que não havia sacado nada, a garçonete continuou conversando despretensiosamente com ele e aproveitou para trazer mais uma garrafa de cerveja e começou a puxar papo com ele. “Qual o seu nome? E o que faz da vida além de reclamar?”, perguntou. “Bernardo, jornalista e alguém não muito sociável”, respondeu, tentando manter a postura blasé de sempre. “E o seu nome? Por que faz tantas perguntas?” “Lara, estudante de comunicação na parte da manhã e garçonete à noite, muito prazer”, e foi atender aos outros clientes no bar.

Assim foi até o último e indesejado cliente sair dali e, após isso, eles caminharam e conversaram mais até chegarem a outro bar. Lara saiu do sul para estudar na USP, mas para não depender da grana dos pais, começou a trabalhar como hostess em um restaurante na Vila Olímpia, mas se cansou dali. Foi aí quando ela passou a trabalhar como garçonete. Conforme mais ela falava sobre sua vida, frustrações amorosas e expectativas, como um estágio numa editora ao qual ela se candidatou, mas sem dar detalhes, mais Bernardo ficava envolvido por ela. O golpe de misericórdia foi ela dizer que não imaginava sua vida sem Kerouac e Bukowski. Daí, foi questão de tempo para eles ficarem e, dos amassos na rua às preliminares no apê de Lara, a duas quadras dali, foi um pulo. “Em questão de horas eu deixo de reclamar da merda do meu dia e recebo o melhor boquete da minha vida”, ele pensava enquanto suas pernas estavam bambas e puxava os cabelos dela.

Tudo o que ele queria era agarrá-la, chupá-la e penetrá-la com tanta intensidade, mas tanta intensidade, que até Ron Jeremy ficaria com inveja. A vibe entre os dois estava visceral ao ponto de ela gemer como se fosse a última transa da vida dela e puxá-lo para dentro de si – isso sem contar as unhas cravadas nas costas dele. Ele queria gozar e se esquecer dentro dela. Entre uma gozada e outra, foram quase duas horas de sexo intenso. Lara teve um orgasmo, o que não acontecia há tempos. Após dormirem abraçados, eles transaram sob o chuveiro e não pareciam mais querer largar um do outro.

Bernardo teve de ir embora por causa do plantão que pegaria naquele dia, mas foi difícil deixar Lara, mesmo por algum tempo. Ele não conseguia concentrar-se no trabalho, mas já não pensava mais na ex-mulher. Por mais que ele tivesse ficado com outras pessoas após o divórcio, nenhuma mexeu tanto com ele como Lara. Mal ele poderia imaginar que, uma semana depois, seria contratada uma estagiária para o núcleo em que ele trabalhava. Menos ainda que a estagiária seria ela.

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