FREE AS A BIRD IN A CAGE

Posted: segunda-feira, 30 de setembro de 2013 by ajeugenio in
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7:00 e o despertador tocava alucinadamente no refrão de "Everybody Hurts", do REM. Aquele "Hold on" cantado visceralmente por Michael Stipe era tudo o que não dizia respeito à sua vida. Aliás, se o significado da letra inteira fosse levado ao pé da letra, talvez fariam algum sentido. Sentido, palavra que havia sumido de sua vida desde que fora abandonado pela esposa. Ela não aguentava mais o comportamento potencialmente autodestrutivo e o seu estilo de ser alternado entre o workaholic e o junkie. Deixar uma carta de despedida e partir sem deixar vestígio? Tudo bem, vá lá. Citar "You Can't Always Get What You Want" foi mancada, mas ele gostava de Rolling Stones e ainda entendeu. Mas aquele "Cuide bem de você", porra, teve o mesmo efeito do "pode pular pela janela agora". Se ele não via lá muito sentido em sua vida, agora, ele estava na contramão em busca de um caminhão-cegonha.

Sair da cama era foda. Barbear-se? Ele estava parecendo o Marcelo Camelo - e olha que ele não tinha mais saco para o Los Hermanos. Sua nova concepção de arrumar-se era calçar o All Star sujo e prestes a estar furado, e vestir o jeans quase rasgado de tão gasto e aquela camiseta puída do The Stooges, que já era praticamente a sua segunda pele. Café da manhã? Duas bolachas cream cracker, aquele suco industrializado vencido há dois dias e já estava ótimo. Claro, fumar três cigarros antes de sair de casa era o seu ritual particular. [ao contrário do que possa parecer, ele tinha sobrepeso, apesar da péssima alimentação] O gato comia muito melhor do que ele. No fim, o apartamento era a tradução de sua vida e de quem ele se tornara: uma desordem sem fim.

Nem o emprego em uma agência de publicidade, que o fazia sentir prazer em trabalhar, o motivava mais. Briefings viraram meras formalidades e a criação, que o fazia pirar [no bom sentido], estava um porre de vinho Sinuelo. Nem com os colegas de trabalho, com quem sempre se deu bem, ele queria papo. Ele olhava nos olhos deles e não se via lá, como se ele não existisse. Tudo o que ele queria era isolar-se do mundo e esconder sob a primeira mesa que visse. Quem sabe, recorrer à reclusão ao melhor estilo João Gilberto e Dalton Trevisan era a saída mais fácil.

Ele só queria sair sem rumo para esquecer-se de si. Talvez ele queria encontrar alguém que o fizesse sentir-se outra pessoa, quem sabe alguém bom, mas aquele e os outros dias eram tão-somente dias solitários. Tudo o que lhe restava era beber até esquecer-se de sua identidade ou ficar com outra pessoa, mesmo que fosse pagando, para esquecer da merda de sua vida. E la nave va, mas sem nenhum De Falco para gritar "Vada a bordo, cazzo!" para Schettino. Era inevitável que o navio batesse em alguma rocha ou iceberg. No fundo, era exatamente isso o que ele queria.

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