Unnamed feeling

Posted: quinta-feira, 1 de agosto de 2013 by ajeugenio in
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Ele era um cara difícil para lidar. Seu comportamento aparentava dar sinais de calma, mas era apenas irritação controlada. Pouco importava a situação: ele parecia sempre controlar os próprios atos, pensamentos, reações e palavras. Era como se ele tentasse deixar o lado médico falar mais alto o tempo todo e enjaular o lado monstro. Era como se ele tivesse medo do dark side ofuscar a luz, por assim dizer. Ou como se ele tentasse se ver refletido nos olhos dos outros e não visse ninguém ali.

No trabalho? Ele respirava fundo a cada vez que o chefe jogava vários relatórios em sua mesa, como se analisá-los fosse a única coisa que ele fazia na porra da sua vida. "Quero tudo finalizado até as 19h, Carlos!", bradava o chefe, típico tiozinho de 50 anos meio careca, barrigudo e com ares de tecnocrata (eles ainda existem?). Ele tinha vontade de voar no pescoço dele, dar uns bons socos no nariz dele e sair dali à Michael Douglas em "Um Dia de Fúria". Mas o medo de imaginar o que todos pensariam sobre ele o fazia engolir aquilo a seco, como se fosse uma dose de cachaça que desce rasgando, e seguir com a sua vidinha de merda. Claro, aquilo tudo viraria tema para mais uma sessão de terapia, à qual, entre idas e vindas, ele ia há uns três anos, desde que havia se divorciado.

Entre os amigos? Todos eram unânimes. "Carlinhos, você precisa relaxar. Nesse ritmo você vai conseguir uma ponte de safena, cara!", ele chegou a ouvir uma vez do seu melhor amigo. Por mais que ele tentasse relaxar, algo sempre o fazia estar distante de tudo ou de todos, como se ele não se encaixasse ali. Ou melhor: como se ele não se encaixasse em lugar nenhum, sendo outsider entre os próprios outsiders. Até mesmo com a própria família. O que o fazia se sentir assim? Nem ele sabia. Tudo foi considerado: traumas de infância, algum relacionamento mal resolvido na adolescência, até mesmo fobia social. Mesmo assim, nada parecia fazer sentido.

Namoradas, dates e afins? Dizer que ele não conseguia se entregar a nenhuma delas chega a ser redundante. Ele parecia sempre esperar pelo fim, o que realmente era inevitável graças à maneira como ele encarava tudo. Todos os seus relacionamentos podem ser resumidos no bilhete que sua ex-esposa deixou ao partir e nunca mais voltar: "Essa sua mania de colocar um muro entre você e o mundo, só para não se machucar, ainda vai te fazer viver sozinho. Aguentei o que pude e cheguei no meu limite". Até hoje aquilo lhe dilacerava a alma. Até dava para tentar esquecer entre uma dose e outra de uísque, mas tudo voltava à tona quando ele acordava ao lado de outra mulher que não fosse sua ex. Foda é que ele fazia tudo em repeat eterno, como se estivesse punindo a si próprio por ter perdido a mulher a quem amava.

Já em família, o convívio era dos mais conturbados. Para cada encontro agradável, outros dois terminavam com algum tipo de discussão, por mais que o motivo fosse o mais tolo e comum possível. Ele não conseguia se perdoar e encostar tranquilamente a cabeça no travesseiro por ser intratável logo com quem ele mais amava. Sua mãe ainda o entendia - toda mãe entende o filho, por mais canalha que seja -, mas os conflitos com o pai eram frequentes. Logo com ele, a quem ele sempre admirou. A merda toda era que, justamente por ser diferente ao extremo de seu velho, a nada boa e velha raiva de si próprio sempre vinham à tona. Era ainda mais foda que isso tudo era externado da pior maneira possível e, por mais contraditório que parecesse, aquilo tudo fosse a mola propulsora para conversas acaloradas virem à tona. Por mais que ele tentasse, tudo sempre terminava mal. Ele sempre teve o raro dom de estragar tudo, de foder a própria vida e magoar àqueles quem ele mais amava. Isso era um peso que ele não conseguia mais segurar.

Tudo isso passava pela sua cabeça enquanto dava entrada na emergência de um hospital, ao sentir fortes dores no peito e falta de ar, enquanto era entubado. Os pensamentos ficavam cada vez mais confusos e lentos com o passar do tempo, e cessaram conforme a visão ficava mais e mais turva e escura.

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