Ponto de virada (parte I)

Posted: domingo, 4 de agosto de 2013 by ajeugenio in
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Mais uma noite como qualquer outra. Mais uma vez aliviado por sair do ambiente burguês e hostil que era a universidade onde Roberto dava aulas de teoria da comunicação. Ele não aguentava mais aquele bando de jovens presunçosos e arrogantes. "Eles até podem ser filhos de empresários e pessoas influentes, mas nem fodendo eles serão bons profissionais", sempre confidenciava aos amigos. Mas eles eram os menores dos problemas: a convivência com o reitor da instituição estava inviável - um nunca suportou o outro, mas a última discussão foi a pá de cal na relação até então apenas pouco amigável - e sua vida pessoal estava de mal a pior. O casamento estava por um fio - ele não suportava mais a (ainda?) esposa, por quem um dia foi louco, por causa do desgaste natural que acontece com o passar do tempo. De quebra, até mesmo a relação com o filho estava desgastada, mas isso era natural se fosse levar em conta que lidar com adolescentes é difícil - "pra caralho", sempre completava mentalmente.

Aquela noite, em particular, estava mais melancólica do que todas as anteriores juntas. Voltar para casa estava fora de cogitação. Ir à happy hour com os outros professores do curso de jornalismo idem. Vá lá, ele se dava bem com eles, mas aquela noite seria para beber, reorganizar as ideias e, quem sabe, encontrar uma saída para a merda emocional na qual ele estava. Nem beber com os amigos estava em seus planos. O bar do qual ele era cliente de longa data foi o destino natural.

Entre um pint e outro de Guinness, além dos cigarros tragados, ele tentava entender o que aconteceu com o jovem idealista e sonhador que ele fora um dia. Claro, ele também tentava relembrar sua vida, momento a momento, para entender o que deu errado: por que ele deixou de amar a pessoa por quem ele ficou a fim desde o dia em que a viu pela primeira vez, o que deu na sua cabeça para largar o emprego dos sonhos após um bate-boca com o chefe de jornalismo da emissora na qual ele havia penado para entrar, e por que ele não conseguia reconhecer a si próprio no espelho. As respostas a todas essas perguntas pareciam inexistir, mas a angústia e os pints consumidos estavam aumentando. Ele já estava esperando a hora de Joãozinho, garçom conhecido de longa data, dizer: "Doutor [sic], pega leve! Chama o táxi e busca o carro amanhã. Guardo ele [sic] se o senhor quiser". Sim, isso aconteceu por outras vezes. Nada como uma ou outra regalia às quais só os clientes antigos têm direito. E Roberto ria ao pensar nisso.

Enquanto estava perdido nos próprios pensamentos, ele nem reparou que uma mulher havia se sentado ao na cadeira ao lado e assim foi por algum tempo, até que ele ouviu: "Não sei por que está rindo sozinho, mas deve ser algo engraçado". Ele ficou sem palavras e não conseguia responder nada de imediato. O sorriso, que destacava seus belos dentes, assim como o olhar penetrante, o deixaram hipnotizado. "Nada, nada. Só uma besteira na qual pensei, nada mais", disse Roberto, meio sem jeito. "Não me lembro de ter te visto aqui antes. Qual o seu nome?", perguntou ao mostrar-se à vontade como há tempos não se sentia. "Diana, muito prazer. E o seu?".

Há tempos ele não se sentia tão aberto ao acaso como naquela noite, sabe-se lá o motivo - nem ele sabia. Tudo o que Roberto pensava era deixar a noite rolar. E ele já sabia como esquecer de todos os problemas, pelo menos por algumas horas.

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