Farra Parlamentar

Posted: quarta-feira, 15 de dezembro de 2010 by Mau Júnior in Marcadores: , ,
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A intenção deste post seria, em princípio, falar sobre cinema; no entanto, como já disse Oscar Wilde, "a vida imita a arte". Pois bem, alguns fatos são inverossímeis, para não dizer ridículos mesmo mas, mesmo assim, a ainda resistente (ou morimbunda?) sede em crer no ser humano tende ao indivíduo (a mim, pelo menos) fazer com que acredite em outrem. Tarefa difícil, diga-se.

Pois bem, a data de hoje foi marcada pela votação de mais um projeto de vital importância ao povo brasileiro: o aumento salarial dos deputados federais. Por mais irônico que pareça, foi importante, sim, para a sociedade, para que se possa perceber, de uma vez por todas, que toda ação tem uma reação, de mesma intensidade e força; ou seja, aqueles poucos segundos que muitos levam na brincadeira, em frente à urna eletrônica, podem ter consequências catrastóricas... Como o resultado da votação de hoje.

É inadmissível um país com uma das mais desiguais concentrações de todo o globo terrestre (atrás de países com IDH crítico, se não desesperador mesmo), com arrecadação de impostos astronômica e, consequentemente, com sérias desigualdades socioculturais. É ainda mais estarrecedor, mesmo com todos esses fatos mencionados, que o salário de cada deputado tenha sido aumentado para R$26.700,00, o equivalente a (pasmem!) 52 salários mínimos. Ou seja, um trabalhador que ganha o piso salarial (em proporções extremas) teria de trabalhar, excluindo-se reajustes e descontos, 4 anos e 4 meses para ganhar o que um parlamentar irá receber, daqui em diante (sem contar os auxílios para terno, moradia, viagens, uísque e puteiro).

Alguns questionamentos que merecem ser trazidos à luz da discussão é o fato de o mesmo salário mínimo não poder ser aumentado, pois corre o risco de "quebrar" o orçamento anual; e o mesmo vale para a Saúde, Educação, Cultura, Habitação e Segurança, que são áreas supérfluas, não é mesmo? O que aconteceu no Rio de Janeiro não foi apenas a catarse policial contra o crime organizado, mas consequência de anos e anos de exclusão sociocultural e de negligência em todos os aspectos, principalmente. Como havia sido mencionado por Luiz Carlos Azenha, do Vi o Mundo, aqueles bandidos não vieram de Marte, tampouco surgiram por abiogênese. Por mais contraditório que pareça, eles são vítimas de um sistema sociopolítico que negligencia as classes menos favorecidas (o que aconteceu hoje foi a prova cabal disso); no entanto, a tão querida opinião pública faz questão de ignorar esse fato (inconveniente, não acham?).

É ainda mais estarrecedor o fato de a votação ter sido realizada antes do recesso parlamentar (ou seja, às pressas), além de essa se tratar de uma época na qual os holofotes da opinião pública estão exclusivamente voltados para as iminentes festividades de final de ano e para o lado hipócrita, comercial e caricato do Natal... Ou seja, todo esse trâmite foi feito às pressas, porque se tratava de assunto extremamente pertinente à maioria esmagadora dos nossos digníssimos (?) parlamentares, além de se aproveitarem da pressuposta falta de atenção da opinião pública (pela porrilhonésima vez: ela não é a voz do povo).

Como foi muito bem lembrado por Leandro Sakamoto, do excelente Blog do Sakamoto,  vários projetos que são, de fato, de relevância social ímpar, como o combate à exploração sexual de crianças e de adolescentes, de tráfico humano e da erradicação do trabalho infantil, por exemplo, estão há milênios parados (com teias de aranha, traças e todo o resto)... Assim como o projeto de lei que prevê o confisco de terras comprovadamente usadas para trabalho escravo (sobre esse projeto, o mais grave é que ele já foi aprovado no senado).

Como se não bastasse o "Efeito Tiririca" (beneficiário direto dessa palhaçada, diga-se... e sem trocadilhos), pior do que estava já está ficando. Vivemos num regime de pão e circo, aparentemente, sem fim. Enquanto caudilhos mandam e desmandam no congresso, vivemos dias em que mocinhos de novelas das 7, 8, whatever, assim como brinquedos que serão quebrados assim que entregues na noite de Natal, Kidiabas e agregados têm mais importância do que os futuros que o nosso país tem tomado.

Tucanos e petistas, desafetos ideológicos supostamente incorrigíveis, se uniram tacitamente em prol de interesses escusos e individuais, em veemente paradoxo filosófico e moral (não me refiro às ideologias inerentes a ambos os partidos, mas ao compromisso assumido, até então, com a sociedade brasileira). Poucos deputados, como o indefectível Ivan Valente e Luiza Erundina, mantiveram opinião que, se não for heróica, é, ao menos, digna (o que falta pelas bandas do Paranoá, é bom ressaltar). Dentre os partidos, o único que ficou taxativamente contra o aumento salarial (ou roubalheira descarada?) foi o PSol (do mesmo Ivan Valente), tido como radical pelos mais "puritanos" (não me arrependo em ter votado no Plínio Sampaio no primeiro turno).

Não há muito o que dizer. Nos resta a reflexão sobre as causas e as consequências dessa votação histórica (negativamente falando). Diz o senso comum (raramente coerente) que cada povo tem os políticos que merece. Não é exatamente assim. Os caras que estão lá vieram de onde estamos; ou seja, por mais difícil que seja para admitir, eles são a reprodução do pensamento popular. Para que algo possa mudar nas Câmaras de Deputados e de Senadores, nos Estados e nos municípios, a visão de mundo popular tem de mudar, também. Gandhi havia dito que é preciso "ser" a revolução que você quer ser no mundo. Que o façamos, então.

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