JORNAL PARADOXO

Posted: domingo, 29 de agosto de 2010 by Mau Júnior in Marcadores: , ,
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Todos sabem que jornais digitais são fontes de erros e de notícias insólitas em abundância, especialmente para caçadores ávidos por encontrarem deslizes (sejam eles ortográficos, sintáticos, simples "barrigas", whatever). Nesta semana, por acaso, encontrei um desses dados insólitos em um jornal eletrônico de grande porte (o chamemos pelo nome fictício de Folha de S.Paulo). A notícia? Uma possível suspensão a ser aplicada sobre Luís Felipe Scolari, técnico do Palmeiras, referente a uma discussão com um árbitro. O fato grotesco? A inserção de o termo "porra" no texto, após reprodução na íntegra de uma frase dita pelo treinador (vocês não leram nada errado: havia uma "porra" no caralho do texto).

Pois bem, ver um termo "chulo" num texto não é algo muito aconselhável e comum; no entanto, há fatos muito mais delicados e questionáveis que passam desapercebidos pelos focinhos dos farejadores de erros e pelos falsos moralistas de plantão. De acordo com o nosso amigável e querido (?) Senso Comum, praticamente uma entidade onipresente, proferir um "palavrão" é um crime passível de um tapa na boca (como me dei mal por isso na infância) ou, até mesmo, de envio para trabalhos forçados na Sibéria ou de "trabalho voluntário" nas eleições. Todavia, galera, há "coisinhas" muito piores e que são ignoradas despudoradamente pelos arautos da moral e dos bons costumes... Uma criança fazendo malabares no semáforo, por exemplo.

Querem exemplos? Eles não faltam. Vamos lá, então. Remontemos aos tempos da ditadura (isso mesmo, o regime militar que fodeu prejudicou enormemente o bom senso e a inteligência de uma nação). Dizer que o povo queria ter a chance de escolher quem seria o governante ou, ao menos, ter voz ativa era motivo para porradas, cacetadas, retiradas de unhas com pés-de-cabra ou, até mesmo, de paredón, compañeros; todavia, estimular a percepção de a realidade distorcida era passível de homenagem de honra ao mérito no Congresso (o fato de um certo general dizer que assistir o noticiário na emissora-mãe à noite era reconfortante explica alguma coisa?).

Não está contente? Voltemos aos dias atuais. Reza a lenda que ouvir músicas ou assistir a programas, filmes, o cazzo, que abordem e/ou critiquem temas violentos podem formar pessoas violentas ou, até mesmo, potenciais delinquentes (uma coisa é criticar; fazer apologia ao crime é outra história... E já posso ver mães desesperadas, a imaginarem que seus queridos e "ingênuos" filhinhos - e filhinhas - sejam marginais); buuut, assistir a cenas calientes na novela das 8 (que começa sempre às 21h), com conteúdo inapropriado para crianças e para pré-adolescentes (as crianças metidas a adolescentes) não implica em problema algum, e tem até a bênçao das mesmas mães que têm espasmos ao pensar que seus filhinhos ouvem a músicas de protesto, compostas por supostos delinquentes e subversivos (um recado a essas mães: não se espantem se seus "pequerruchos" cometam burradas homéricas, após absorção subcutânea de conteúdos não recomendados para eles, seja por meio de novelas ou de "noticiários" embebidos por muito sangue).

Não obstante, as mesmas pessoas que falam pelos cotovelos que a Ditadura não passou de uma "ditabranda"  e que apavoram ao ouvir um palavrão maroto são as mesmas que fecham os olhos para o garotinho malabarista no semáforo e para os escândalos na Câmara dos Deturpad... digo, dos Deputados (aliás, o horário político transformou-se em um grande circo dos horrores; e muito disso se deve a anos de lobotomia coletiva promovida pelo regime militar). No livro clássico "1984", de George Orwell, questionar era algo impensável e crime inafiançável, ao mesmo tempo que dissimular a realidade na "caruda" era regra.

Faço uma proposta indecente a vocês: pensem sobre o que é mais condenável. Um palavrão é mais grave do que várias pessoas serem submetidas à insegura alimentar grave (vulga fome)? Ouvir músicas de protesto e de contestação são mais condenáveis do que uma cena tórrida no horário nobre? Questionar as mazelas sociais ao seu redor é tão estarrecedor quanto assistir passivamente aos mandos e desmandos de mandatários e de candidatos a governantes? Ver "presuntos" nas ruas e submeter-se ao sensacionalismo barato é normal? Pensem nisso, chicos y chicas.

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