CRIATIVIDADE EM CRISE

Posted: sábado, 2 de fevereiro de 2013 by ajeugenio in Marcadores: , ,
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Horas em frente ao computador, travando uma batalha silenciosa contra o programa de edição de texto. As palavras não saíam. Ou melhor, pareciam estar num triângulo das Bermudas intelectual, oculto em algum canto igualmente inacessível de seu cérebro. O suor começava a escorrer pelas têmporas, juntamente com o tempo por entre os vãos das mãos, tal qual a areia que cai no pêndulo.

O bloqueio criativo estava foda. Garrafas e garrafas long neck da cerveja preferida do escritor, aquela mesma que é a queridinha entre os descolados da rua Augusta, haviam sido esvaziadas. Maços a fio de cigarro haviam sido transformados em cinzas. Mas nada saía. Nenhum sinal, nenhum fato para servir como insight, porra nenhuma aparecia para ajudá-lo. Os dedos, nervosos, apertavam o teclado no piloto automático, sem objetivo algum. O desespero era tamanho ao ponto de recursos, digamos, ilegais terem sido cogitados. Todavia, faltava coragem para recorrer a eles.

O pessoal da editora estava no pé, querendo saber em que estágio a obra estava. Ou melhor, em que estágio não estava. O deadline estava chegando à reta final e não havia sequer o primeiro capítulo. Corrigindo: não havia história. “Maldito mercado!”, praguejava o nosso amigo escritor. Tudo por culpa de um livro sobre histórias sujas do underground paulistano – que, por sinal, ele mesmo não havia sequer vivido metade –, que ele havia escrito despretensiosamente, mas virara um best seller por motivos que até ele desconhecia. Por causa daquilo – que se transformou na sua maldição e perigava virar o seu Rosebud -, ele virou a galinha dos ovos de ouro da editora, e sua vida, um inferno que nem Dante conseguiria imaginar com riqueza de detalhes. Ele estava numa cilada e não havia nenhum Pedro para alertá-lo a respeito.

Tudo o que ele queria evitar eram os clichês literários. Tons disso e daquilo, vampiros sem essência alguma e todo o resto não faziam a sua cabeça e estavam fora de cogitação. E nem fodendo ele queria transformar o que era tido como maldito pelas mães católicas em algo cultuado pelas massas.

Histórias sobre o Copan? Havia várias, mas já haviam sido contadas – algumas à exaustão, diga-se de passagem. Cotidiano de tipos insólitos em locais decadentes? Narrativas desse tipo foram escritas aos montes. Ele não via saída para o labirinto literário em que se metera. Nem o cinema ou a música pareciam querer colaborar com ele.

O nosso amigo cansou de lutar em vão com a tela branca, tal qual Kasparov jogando xadrez com um computador, e saiu sem rumo. Tudo bem que sua escapada soou como a de um pai de família que sai para comprar um cigarro e não mais volta, mas aquilo era necessário. Um pouco de agitação e de vida não iriam atrapalhar. Enquanto isso, o editor de texto continuaria ali, pálido e inerte, esperando que letras pretas e serifadas pudessem lhe dar um pouco de vida. Vida que seguia sem palavras e sem rumo.

2 comentários:

  1. Acredito que a nossa criatividade está totalmente ligada a nosso estado de espírito.
    Não dá pra criar um conto de fadas sem estar apaixonado.

    Gosto muito da maneira como vc escreve... Detalhista e verdadeiro.
    Bjs
    http://www.ladomoca.com

  1. ajeugenio says:

    Olá Jeniffer,

    Em primeiro lugar, valeu mesmo pelo comentário e, acima de tudo, por ler o que escrevo por aqui. :-) E peço desculpas por responder somente agora - fiquei dias e dias sem sequer acessá-lo.

    Também acho algo parecido: além de a criatividade estar totalmente ligada ao nosso estado de espírito, ela também está relacionada ao que vivemos e presenciamos no dia a dia.

    Mais uma vez, valeu mesmo e sinta-se à vontade para ler, comentar, criticar e opinar.

    Beijos.