VIDA DESAFINADA

Posted: segunda-feira, 27 de setembro de 2010 by Mau Júnior in Marcadores: , ,
0



Ele nunca conseguiu entender por que havia brigas entre integrantes da mesma banda. Afinal, uma banda não é composta por amigos, por caras (e, às vezes por uma mulher, vocal ou baixista) que têm afinidades até quando discordam entre si? Aquilo nunca foi assimilado por ele... Era inconcebível, mesmo.

Uma das coisas que ele mais curtia na vida era tocar com seus amigos, estar ao lado de seus hermanos e tirar um som. A música era sua vida. Além de seu ofício, aquilo era o seu soma. Sem contar que tinham as gurias no backstage (o que era extremamente agradável, diga-se).  Para ele, não tinha nada melhor do que fazer música, tomar umas e rir muito ao lado daqueles que ele havia escolhido como membros de sua família, uma espécie de irmandade (Omni Dominatti Musicae? Poderia ser o nome da banda dele, até).

No entanto, meus caros, aquilo o que ele mais temia aconteceu, bem embaixo de suas narinas entupidas (não por cocaína, pois ele era averso a toda e qualquer droga, até mesmo ao cigarro da Phillip Morris, mas por causa da bendita sinusite que fodia sua respiração desde a primeira infância). Exatamente aquelas brigas entre integrantes de banda, outrora amigos. Vocês manjam a briga de egos entre John e Paul, que resultou no fim do sonho? Ou então as brigas entre Mick e Keith, que quase resultaram no fim do Rolling Stones e da parceria entre os irmãos não-sanguíneos? Pois bem, aquilo aconteceu, bem diante de seus olhos (e de seus óculos de acetato).

Toda banda tem sempre aquele cara que chega atrasado, bêbado, descompromissado aos ensaios... E, coincidentemente ou não, é exatamente o cara mais genial do conjunto. Pois bem, esse cara era o Betão, amigo de infância e irmão que ele escolheu (a única vez em que os dois brigaram foi por causa de uma guria, nos tempos do colegial, ainda... E não era tão gostosa e inteligente assim; coisas de adolescentes). O nosso personagem principal, o guitarrista-base e tecladista em algumas faixas, era o cara “certinho”, às vezes chato de tão ponderado; e Betão era o típico porra-louca, que acordava por madrugadas a fio na zona boêmia envolvido por putas... Ou seja, a música o salvava da autodestruição.

Pois bem, os atrasos de Betão estavam emputecendo demasiadamente os demais integrantes do grupo (Jonas, o vocal; Bernie, o batera, e Lisa, a baixista); no entanto, o nosso amigo sempre “passava um pano” nos atrasos do Betão. As justificativas que Gustavo (esse é o nome do protagonista dessa estória) apresentava para os lapsos de seu brother sempre soavam como “Ele é meio insano, mas é o músico mais genial que conhecemos”... No entanto, os demais membros da banda (e também amigos de  Betão) se cansaram das excentricidades do gênio, e o colocaram no olho da rua, sem choro, nem carpideira, nem nada... Foi à seco (como o próprio Betão disse, “fogo amigo”).

Gustavo foi o único a discordar da saída de seu “irmão” (foi voto vencido, na verdade); e sentiu-se, de certo modo, traído pela família que ele havia escolhido. Ele não tinha mais “tesão” em tocar com aquelas pessoas (até pensou em sair da banda e montar um projeto experimental com Betão, Beth - sua namorada - e com um baterista oriundo de um porão do underground), mas não tinha coragem de sair... Por algum motivo estranho, ainda se sentia “preso” por um cordão invisível a eles.

Ele continuou naquela banda, no final das contas, mas não tinha a mesma química de antes... A música estava começando a virar uma profissão, uma rotina; e ele odiava cair na rotina, fosse ela qual fosse. Seu prazer, além de ficar ao lado de sua namorada, era a produção de curtas metragens, seu emprego regular e que bancava a sua vida de músico, que deixava de ser a sua desintoxicação do mundo, o seu soma.

Aquela “obrigação” o corroía, tal qual ácido sulfúrico sobre qualquer superfície. A vibe no palco não era mais a mesma. Tal qual Betão, Gustavo passou a chegar atrasado aos ensaios (ele passava a entender seu amigo-irmão, sobre o “descaso” com a banda). Aquelas pessoas que antes ele idolatrava estavam se tornando um pé no saco. Não sentia mais tesão em sequer ficar perto delas. Pensou, sinceramente, em sabotar tudo; no entanto, ele não tinha condições (morais) de fazê-lo. Ele foi ficando, simplesmente ficando, mas idealizando como seria se ele saísse da banda.

A própria namorada, que sempre o apoiou em dedicar-se à banda, agora o incentivava a sair, pois sua apatia (até com ela) era notória. A música estava tornando-se um pesadelo. Até mesmo o pôster de John Lennon, seu “mestre”, causava desconforto... Ali, afixado na sua parede, quase dividindo espaço com o do Che Guevara. Algo tinha de ser feito. Ele tinha de acabar com aquele desconforto, antes que aquilo o arruinasse, psicologicamente falando.

Um dia - mais uma dessas coincidências que a vida tanto gosta -, para ser mais exato, num 10 de abril (mesmo dia em que os Beatles chegaram ao fim), ele sentenciou a sua saída daquele grupo (que, há até poucos meses, havia se transformado numa prisão), tal qual John Lennon, com a frase “O sonho acabou”. Ninguém entendeu o porquê de sua saída (talvez porque ele sempre guardou tudo para si, e só revelava para sua namorada e para seu irmão de consideração, Betão)... Talvez por isso, os demais integrantes sempre o consideraram enigmático. 

Falando em Betão, ele, ao contrário do que Gustavo imaginava, não se afundou no álcool e nas drogas. Estava cursando Sociologia numa universidade pública, abriu um desses estúdios para bandas independentes e, de quebra, seria pai (graças a uma dessas bebedeiras das quais ninguém conseguia se lembrar do que havia acontecido na noite anterior) e iria se casar com a mãe de seu “pequerrucho”.

Para Gustavo, o sonho realmente havia acabado; todavia, era hora de acordar para a vida, que estava começando. Mesmo fora daquela banda (um alívio, afinal), ele se sentia em paz... com sua namorada e com sua guitarra ao seu lado. Quanto à música, ela sempre estará presente... Seja como trilha sonora de sua trajetória, com outro grupo, whatever.

0 comentários: