METAMORFOSE AMBULANTE
Posted: segunda-feira, 11 de novembro de 2013 by ajeugenio in Marcadores: bad trip, contos, fuga
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Nada parecia fazer
sentido na porra da vida dele. Era como se sua vida fosse um grande
quebra-cabeça cuja última peça tivesse propositalmente destruída por quem o
jogou no mundo. Ele simplesmente tinha dificuldade para relacionar-se com
qualquer pessoa, até mesmo com quem mais amava. Era como se ele fosse um
beatnik condenado a passar uma temporada em uma repartição pública. Ele era um
outsider até mesmo entre outros outsiders desde que se entendia por gente. Era
como se ele tivesse virado Gregor Samsa, mas ninguém lhe desse a mínima.
Seu olhar era distante
e triste, como se fosse o de uma criança olhando longe à espera dos pais, mesmo
sabendo que eles estavam mortos e nunca apareceriam para buscá-lo. Ele
aparentava ser arrogante, antissocial e blasé, e era assim como ele queria ser
visto por todos. Mas sua postura autossuficiente era apenas uma armadura para
não deixar seu lado vulnerável e inseguro à mostra. Por trás de sua expressão e
sua postura indiferente e alheia a tudo e a todos vivia alguém que, se não se
controlasse, choraria a cada cinco minutos – ele ainda tentava se fazer de
forte, mas vez ou outra chorava às escondidas. Chorava de desespero,
impotência, insignificância e falta de perspectiva de dias melhores. Ele se
odiava por isso: não se conformava com sua fraqueza.
Amores? Bom, eles
costumavam durar apenas uma noite e não raras vezes alguns contos de réis. Ele
não conseguia se entregar, simples assim. Tudo por causa de uma dessas paixões
juvenis, fugazes, intensas e voláteis, em que, no fim, sua namorada à época o
trocou pela versão pós-moderna de um figurante de “Juventude Transviada”.
Aquilo doeu ao ponto de ele ter pensado em tudo, até mesmo em jogar-se na
frente de um ônibus, mas ele não tinha coragem de fazê-lo. De tão dolorosa,
aquela experiência o fez perder qualquer tipo de sentimento nobre em relação a
qualquer pessoa. Ele tampouco nutria ódio por ninguém, mas tudo o que ele
sentia – ou melhor: não sentia – era indiferença. Aquilo ainda doía como se um
verme roesse suas fibras. Era como se ele morresse em vida, dia após dia, de forma lenta
e sem esperança alguma.
Por mais contraditório
que possa parecer, quando ele tentava provar para si próprio que ainda estava
vivo, tudo era hiperbólico demais. Ele ria demais. Ele falava demais. Ele bebia
demais. Mas ele não se sentia demais. Era como se ele fosse um rastilho de
pólvora que levava poucos segundos para explodir e, segundo após a hecatombe,
voltasse à inércia. Ele era a antítese em pessoa: apatia e paixão; ying e yang;
Senna e Prost; Mick e Keith; Jekyll e Hyde. Nem mesmo Freud conseguiria
explicar o que se passava em sua cabeça.
Tudo o que ele queria
era sumir. Ele estava cansado de ver as pessoas na sala de jantar ocupadas
apenas em nascer e morrer, de ver aquele grande panis et circenses virar modus
operandi, de viver em um mundo onde ele era desajustado vitalício e onde até
mesmo os demais desajustados o vissem como um corpo estranho. Ele não suportava
mais ouvir aquelas risadas plastificadas e falsificadas na mesa do bar, sendo
que horas depois tudo remeteria à melancolia. Ele queria a mais sincera loucura
em detrimento à assepsia da normalidade imposta por convenções sociais.
Tudo o que ele
precisava era de uma hora e vez, que vieram sem aviso prévio e sem bater à
porta, mas simplesmente metendo o pé nela. Como um marido que diz à mulher que
vai comprar um cigarro, mas não volta, ele arrumou sua mochila, pegou o
dinheiro que lhe restara de uma noitada com a puta que abara virando sua fuck
friend e ouvinte, botou o pé na estrada, partiu e nunca mais voltou. O mundo
era grande demais e ele precisava explorá-lo de ponta a ponta.