A ARTE COMERCIAL DE DESTRUIR UMA MÚSICA

Posted: sábado, 26 de novembro de 2011 by Mau Júnior in Marcadores: , , , , , , ,
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Sim, sou um daqueles poucos seres psicóticos na face da Terra que prestam atenção em trilhas sonoras de comerciais. Não só no que diz respeito à busca por referências de clássicos da indústria fonográfica, mas sou senseless ao ponto de procurar pela discografia de alguma banda que, sabe-se lá por qual motivo, me chamam a atenção – ou melhor, por causa de riffs de guitarras que remetem à cena indie ou de grooves da cena soul, invariavelmente.

Assim foi com dois casos emblemáticos – para mim, ao menos: o comercial da Sprite Zero, ainda em 2005, quando o Orkut era relevante (sim, acreditem ou não, aquele site de relacionamentos teve os seus dias de glória); e o do Aquarius Fresh, deste ano. Ambos, por sinal, produtos da holding da Coca-Cola, mas isso não vem ao caso.

No caso da campanha da cena publicitária de seis anos atrás, a OST usada é da banda de indie rock neozelandesa Evermore, mais precisamente a faixa “Falling away”. A vibe do comercial é a seguinte: uma galera que, ao mergulhar em uma quadra transformada inexplicavelmente em uma piscina, sente-se plenamente livre. Querendo ou não, as linhas de guitarras algo intimista e a voz meio tranquila, meio preguiçosa de Jon Hume, frontman da banda, caíram muito bem nesse comercial.



Outro case é o do isotônico/suco/água “suja” (?) Aquarius Fresh. Nele, algumas pessoas, após provar um dos sabores existentes da bagaça, passam a ser “perseguidas” por clones, dando cores fortes e (por que não?) mais dinamismo à propaganda. A OST, no caso, é do projeto francês Breakbot, que toma em doses cavalares da fonte da soul music, lá dos anos 70.



Mas, contudo, todavia, entretanto, whatever e quaisquer advérbios do modo, nem tudo são flores. Sim, alguns clássicos são sumariamente destruídos, ou “estuprados”, mesmo. Há uma questão prática para a composição de covers de hinos da música popular: os direitos autorais. Mais precisamente a lei 9.610, de 1998, ou popularmente (?) conhecida como a lei da Propriedade Intelectual, que trata de marcas e de patentes. [OBS: Fidel Castro diria que isso tudo non ecziste, por causa do “fuzilamento intelectual” cubano, mas isso não é relevante for a while].

Não são raras as agências de publicidade apelam para este recurso para evitar problemas relacionados ao (guess what?) direito de propriedade intelectual. Okay, é legal encontrar uma alternativa mais do que plausível, mas isso não quer dizer que clássicos tenham de ser descaracterizados, na “caruda”, ao ponto de serem transformados em covers inaudíveis e para lá de irritantes.

Vamos a dois casos. O primeiro deles é Come together, clássico dos The Beatles. Por causa da nova campanha – sim, aquela do já bordão “Esta é a minha vida, este é o meu mundo” – da empresa de telecomunicações via rádio, que coincidiu com a mudança da sua logomarca, a “repaginada” feita na música conseguiu deixá-la ainda mais irritante do que o barulhinho de alerta de seus aparelhos [I’m sorry, guys. I couldn’t avoid that]. Desbocadamente falando, a vibe fanfarra dada para ela foi de foder a vida.




Por mais estranho e contraditório que pareça, a marca, em outro comercial da nova campanha – aquele com “figurões” como Alex Atala, Herbert Vianna, MV Bill e Fábio Assunção –, usou como BG [background ou trilha de fundo, como preferir] versão mais fiel à matriz gravada pelo quarteto de Liverpool.




Outro caso, talvez mais bizarro – e pior, pois usou viés irritantemente ufanista e Pacheco –: “Balada do louco”, pela ótica da Brahma. Ou melhor, pela de seu fabricante, a holding Inbev Anheuser. Se a fanfarra beatlemaníaca já dá vontade de dar um mergulho no Tietê, essa ficou bem pior, pelo seguinte: a catarse dos irmãos Dias Baptista e de Rita Lee não combina mesmo com futebol e grito de torcida. A “forçação” de barra foi, no mínimo, desnecessária.



Ainda não acredita? Deem uma conferida na versão original. Vocês entenderão o porquê.

Resumo da ópera: é recomendável, mesmo, que a lei dos direitos autorais seja respeitada, pois ninguém é louco de levar um processo para o currículo “por bobeira”. Mas isso não quer dizer que qualquer um tenha carta branca para destruir clássicos da música.

That’s all, folks!